quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A Origem do Preconceito com os Quadrinhos


Quadrinhos, durante um bom tempo foi considerado infantil ou literatura inferior. Mas por que?
Também conhecida como Narrativa Figurada, pois se trata do meio mais primitivo de comunicação desde as pinturas rupestres das cavernas, onde  pode-se dizer que é a origem das histórias em quadrinhos, pois havia uma narrativa através da imagem, onde nossos ancestrais costumavam expressar rituais de caça nas paredes.
Podería-se dizer que a imagem influencia indubitavelmente a criança pois é nesta fase da sua vida (infância) que o indivíduo está mais apto a assimilar as informações provenientes de todos os meios, seja qual for a sua natureza, com os quais se defronta diariamente. A criança, ao efectuar as primeiras comunicações ou associações, revela a chegada da função simbólica pois a criança enquanto não domina a linguagem verbal pensa através da associação de imagens a símbolos ou sinais que ela própria cria. Desde a nascença até aos seis anos de idade a capacidade de concentração da criança durante um longo período de tempo é muito reduzida. A partir dos seis anos é implantada na criança a "febre da imagem" pois ela pode permanecer horas olhando fixamente o écran, não realizando qualquer outra atividade, o que pode provocar a sua envolvência no imaginário. Motivo pelo qual, os quadrinhos são sucesso entre as crianças.
No entanto, difícil de dizer onde surgiu o preconceito com os quadrinhos.
Inicialmente, criada através de tiras dominicais dos jornais com temas sócio-culturais e políticos, responsável pela criação do termo “Jornalismo amarelo” devido a criação do The Yellow Kid por Richard Fenton Outcault, no Brasil conhecido como Imprensa Marrom, conhecida por ser sensacionalista e manipuladora, inclusive retratada no filme “Cidadão Kane”. E somente depois começaram a surgir os “livros”, reunindo acervo de varias tirinhas de um dado personagem. Somente com a crise de 1929, que abalou todo o mundo, surgiram as historias de aventura, ficção, terror e um dos gêneros mais famosos, o do super-heroi. Em 1939, quando surgiu Batman, suas historias eram mais violentas, assim os produtores pediram para que suavizassem e para que alcançassem este objetivo, criaram o Robin.
Entre as décadas de 50 e 80 (época em que os quadrinhos eram ainda muito populares), se você fosse pego lendo um livro às escondidas no meio de uma aula, provavelmente levaria uma bronca da professora. Mas, se fosse pego lendo uma história em quadrinhos, havia grandes chances de que, além da bronca, a revista fosse tomada de você e até rasgada e jogada no lixo na frente de todo o resto da sala. Até há alguns anos, a escola, definitivamente, não era lugar seguro para um gibi.
Em casa, também não era muito diferente. Uma das "histórias de terror" mais comuns entre leitores de quadrinhos do passado era a do garoto que chegava em casa após a escola e descobria que, numa faxina geral do seu quarto, a mãe jogara fora toda a sua coleção de "revistinhas". Obviamente, para essas mães, aquelas pilhas de papel colorido não tinham valor algum e só tomavam espaço desnecessário no quarto do filho. Na verdade, como muitas delas haviam passado uma infância sem muitos luxos, elas provavelmente não conseguiam entender qual seria a razão para gastar dinheiro com historinhas do Superman (que, um dia, já foi Super-Homem no Brasil), Hulk ou Turma da Mônica. Como perguntava a mãe de um amigo: "Pra que ficar gastando dinheiro com papel?".
Talvez o preconceito seja com a infância em geral. Pois é dito que tudo o que é infantil, é bobo. Ou quem sabe seja contra a ficção. Pois muitas foram as vezes, que ao falar de um filme, caso a historia não fosse realista, de forma que todos os personagem tivessem que ser humanos, e se passar em algum lugar conhecido na Terra, a história é fraca e sem graça. Mesmo quando há casos em que um filme fingindo ser baseado em fatos reais, acaba sendo bem caricato ou fugindo bem da realidade (novela... cof cof...).
Vale lembrar também, que leitura de imagem não é simples como muitas vezes parecem ser. E leitura de quadrinho também não é simples. Quadrinhos é uma união de narrativa visual/pictórica e narrativa de texto. Não basta ler o texto, tem que saber interpretar a imagem. Por exemplo, não há necessidade de descrever um cenário, cabe ao desenhista desenhar o cenário de forma que se perceba como é, e que transmita a sensação dos personagens ao está naquele lugar ao leitor.
Na década de 50, um psiquiatra alemão, Frederic Wertham, criou o livro “Sedução dos Inocentes”, onde ele afirmava que quadrinhos transformavam as crianças em delinquentes e retardava a sua capacidade de aprendizagem:

“Algumas dessas publicações poderão ser gatilhos que farão explodir atos anti-sociais. Outras, sugerindo atos criminosos específicos, serão o pedaço de quebra cabeças que faltava para completar a estrutura que se vinha formando. Algumas poderão até constituir o estimulante que levará à prisão perpetua ou à condenação à morte por um crime. A comissão da legislatura de Nova York, depois de cinco anos de estudo dessas publicações e do crime, citou muitos casos clínicos específicos em que a origem de um crime cometido ligava de maneira inconfundível ao fato de o criminoso ter lido um livro ou assistido a um programa de crime. Está nas mãos de cada pai modificar êsse ambiente de cólera e violência, de depravação e de morte. Digo a êsses traficantes de livros torpes (os quadrinhos), a todos os vendedores de violência e de crime: "Em minha casa não entrarão enquanto eu nela mandar." Se alguns milhões de pessoas adotarem a mesma orientação, os traficantes de torpezas desaparecerão e com eles desaparecerá o convite ao crime.”
“Todo pré-adolescente tem um período que despreza as meninas. Algumas revistas em quadrinhos fixam essa atitude e ainda criam a idéia de que garotas só servem para apanhar ou seduzir. É sugerida uma atitude homoerótica da forma que a masculinidade é apresentada. As mulheres sempre são bruxas ou violentas. As mulheres sempre são desenhadas num tom pouco erótico. Já os heróis sempre estão em tons agressivamente eróticos. O musculoso super-tipo é enfatizado com o objetivo de criar estímulo e curiosidade sexual no leitor.”




Obviamente, os padrões morais de hoje são bem diferentes dos da época, assim como a abordagem do sexo e do casamento nos quadrinhos. Por ser justamente o primeiro personagem fictício a ser atacado pelo dr. Wertham, o Batman acabou absorvendo todo o impacto da polêmica e algum tempo depois já era taxado de forma absolutamente preconceituosa e errônea de gay, como o próprio Wertham explica:













“Algumas vezes, Batman está de cama por causa de algum ferimento. Robin aparece sentado ao seu lado. Eles levam uma vida idílica. São Bruce Wayne e Dick Grayson. Bruce é descrito como milionário bon vivant e Dick como seu pupilo. Eles moram numa mansão suntuosa com lindas flores em vasos enormes. Têm um mordomo, Alfred. Batman aparece algumas vezes de roupão. Parece um paraíso, um sonho de consumo de dois homossexuais que vivem juntos. Às vezes aparecem num sofá. Bruce reclinado e Dick ao seu lado sem paletó e de camisa aberta.”
 






As suposições homossexuais de Wertham são sugeridas por sua interpretação de certos signos visuais. Então, para se mostrarem machos, Bruce e Dick deveriam ter feito o seguinte: não mostrar preocupação quando estivessem feridos; morar numa cabana; ter flores horrorosas em pequenos vasos; não terem um mordomo; nunca dividirem um sofá; usar paletó; manterem suas camisas abotoadas e jamais usarem roupão. Mas os desvios sexuais não eram exclusividade do Morcego na visão do autor. Nem a Mulher-Maravilha escapou dos devaneios de Wertham:



A conotação homossexual das histórias da Mulher-Maravilha é psicologicamente irrefutável. Para os meninos, a imagem da Mulher-Maravilha é assustadora. Para as meninas, é um ideal mórbido. Se Batman é antifeminino, a atraente Mulher-Maravilha e suas contrapartes são definitivamente antimasculinas. A Mulher-Maravilha tem suas próprias seguidoras femininas. Suas seguidoras são as meninas que gostam de festejar, as lésbicas. 





A partir disso o congresso lançou uma investigação tendo como foco a indústria de quadrinhos apresentando um relatório final que não culpava os quadrinhos pelos crimes, mas recomendava aos empresários do setor que mudassem o conteúdo voluntariamente. A ameaça velada de intervenção fez com que os editores resolvessem aprovar Comics Code Authority ou Código dos quadrinhos, elaborado pelos próprios editores, que passaram a regular o conteúdo do setor e se autocensurarem:
1 - Divórcio não deve ser tratado humoristicamente, nem ser representado como algo desejável.
2 - Relações sexuais ilícitas não devem ser retratadas e anormalidades sexuais são inaceitáveis.

3 - Todas as situações que tratem da unidade familiar devem ter como principal objetivo a proteção das crianças e da vida familiar. Em caso algum a quebra do código de moral deve ser representada como recompensadora.
4 - Estupro nunca deve ser mostrado ou sugerido. Sedução não deve ser mostrada.
5 - Perversão sexual ou qualquer alusão ao desvio é estritamente proibida.
E isso foi o principal fator responsável pela banalização deste mercado. Por um bom tempo, os quadrinhos sofreram preconceito, foram considerados literatura inferior, ser quadrinista, era uma vergonha.
Na década de 60, Will Eisner cria o movimento artístico “Graphiic Novel” ou Romance gráfico (quase que simultaneamente quando Osama Tesuka criou o Gekigá), onde afirma que quadrinho não é nem literatura e nem artes plásticas ou ilustração, mas um novo tipo de arte, com suas próprias regras e limitações. Criando Historias adultas e complexas, com aprofundamento em temas sócio-culturais, psicológicos, políticos e etc.

 
 escrito por Felipe Utsch

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