Um grande homem ou uma grande obra
precisam de reconhecimento, senão, se limitam à incompreensão. Einstein seria apenas mais um
incompreendido se não o tivessem reconhecido como um grande pesquisador, um
gênio, acima dos demais. Passando a barreira do preconceito, das limitações
intelectuais e tantas outras, devo admitir que um mero quadrinho de super herói
me fez refletir mais que muita coisa que já tenha assimilado até agora. Watchmen consegue despertar, através de
uma sutil e excelente narrativa, as mais diversas questões do ser, sem
explicitá-las, ou seja, sem ser óbvio e piegas.
O que foi conquistado nesta obra é um
quadrinho de super heróis que não trata do "super", nem do
"herói", mas do humano. Desta forma, temos um roteiro que agrada aos
fãs de drama, ao mesmo tempo que oferece a dose de ficção que todos nós,
leitores ávidos de quadrinhos, esperamos. Fruto de uma verdadeira pesquisa e
ostentando uma narrativa sublime, merecedora do título de clássico, tão
complexa, mas simples de ler; traz tantas reflexões que tornam impossível
avançar mais de um capítulo por vez. A necessidade de ficar pensando sobre o
tema nasce daquele diálogo e transporta o leitor para a história, o problema se
torna comum, pois o "super" também sou “eu”, é humano, pensa como
“eu”, pode ser “eu”. E é isto que torna Watchmen
um "must" dos quadrinhos.
Por outro lado, temos o roteiro de Alan Moore, com excelentes citações e
conceitos que vão da semiótica à física quântica, traçando com primasia as
várias camadas legíveis de sua história. Desta forma, Watchmen é um delírio enquanto quadrinho "Graphic Novel", mas também uma excelente crítica ao modo de
pensar do homem e, escondendo-se sob suas camadas discursivas, uma obra imbuída
de arcabouço teórico que se sublima em uma das frases do Dr. Manhattan: "Nós
contemplamos continuamente o mundo e ele se torna opaco às nossas percepções.
No entanto, encarado de um novo ponto de vista, ainda pode nos tirar o fôlego"
(WATCHMEN, cap. 9, p. 27). Esta frase é um ápice do entender humano e, ao mesmo
tempo, um tapa de luvas à comunidade acadêmica que se debruça sobre seus
objetos de estudo e esquece de compreender o todo, deixando de lado as nuances
que, como os quadrinhos, tem muito a oferecer para as pesquisas, mas são
tratadas com preconceito e afastamento.
É possível notar, em Watchmen, certo caráter alegórico, talvez não proposital, mas
tratar da Guerra Fria já coloca um marco da história americana, todos seus
preceitos culturais se chocam ali; a identidade nacional e as crises, e ainda
traça um paradoxo encontrado em outra fala do Dr. Manhattan: "Meu
mundo vermelho significa mais para mim que o seu mundo azul"
(WATCHMEN, cap. 9, p. 9), quando a personagem Espectral tenta convencê-lo a salvar os EUA do iminente ataque da
URSS, as cores azul e vermelho representam, respectivamente, os dois lados da
guerra. Como Dr. Manhattan é
apolítico, esta talvez tenha sido uma forma de colocá-lo no impasse da guerra,
de modo que ele pudesse escolher um lado ou outro de forma alegórica e que não
contradissesse a lógica interna do personagem.
Em março de 2009, Watchmen ganhou uma adaptação para cinema, dirigida por Zack Snyder, chegou ao Brasil com o
título de Watchmen - O Filme. A
superprodução, com suas mais de duas horas e meia de duração, trouxe lágrimas
aos olhos de muitos leitores, mas, se comparada à obra original, a película não
consegue fazer jus ao nome, pois aquele ranso filosófico deixado em sua mente a
cada página se perde em uma narrativa cinematográfica lenta e cheia de efeitos
especiais embasbacantes. Admito o bom trabalho ao fazer o filme, é bem dirigido
– apesar de lento – e as cenas são lindas, mas não é tão instigante quanto o
quadrinho, falta-lhe algo, ou melhor, não nos provoca a falta de algo que o
quadrinho propõe.
Eu poderia facilmente passar mais três
páginas descrevendo, por alto, os aspectos psicológicos dos personagens e seus
meandros na história, mas isso seria um spoiler
desta delícia literária, então eu prefiro me abster e deixar apenas estes
comentários soltos no ar. A todos que não leram esta pequena série de 12
capítulos, recomendo fortemente que deem uma chance, aos que já se deliciaram
uma vez, recomendo uma nova leitura, com outros olhos, a fim de perceber o que
há por trás de cada quadro, pois tudo é significante, até mesmo os Contos do Cargueiro Negro, a revista em
quadrinhos que um rapaz lê durante toda a história tem sua relação íntima com a
trama e seu desenvolvimento. Na versão em DVD da película, Contos do Cargueiro Negro aparecem nos extras na forma de uma animação
muito interessante, vale a pena conferir pela junção da história, uma vez que,
no suporte original, ela só aparece fragmentada. Apreendam todas as sutilezas
de Alan Moore e preparem-se para uma
temporada de incômodo com a condição humana, porque esta série revela o quão
frustrante é a utopia.
Por João Paulo
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