“E
se você fosse mais que apenas um homem, e desse tudo de si por um ideal, e
ninguém conseguisse te deter? Ai, você se tornaria algo diferente... uma lenda,
senhor Wayne, uma lenda.”
Essa
citação dita por Ras All Ghul, em Batman Begins resume perfeitamente tudo
o que foi feito na trilogia Cavaleiro das
Trevas de Christopher Nolan. Embora o Batman
vivido por Christian Bale não seja o definitivo dos quadrinhos, e é um
pouco diferente da sua fonte original; fica claro que o filme conseguiu
entender tudo o que representa o mito do Homem
Morcego, desde sua essência.
O
Batman de Christopher Nolan é real.
Sua proposta era nos fazer acreditar que ele podia existir. E por isso, muitas
vezes parece ser vulnerável, ao contrário das HQ. Apesar do esforço de Nolan,
ele continuou como o herói que nunca se machuca, afinal, nos três filmes só
teve dois oponentes que fossem um desafio físico (Ras All Ghul e Bane). Os
outros vilões foram grupos grandes, de inimigos em um nível bem mais baixo do
que o dele, em que ele enfrentou sem grandes problemas, mesmo que saísse com
ferimentos. Mas a grande diferença é o ar arrogante que ele possui nas HQ, e
não tem nos filmes, mesmo com dilemas morais, questionando suas atitudes,
sempre tendo a certeza de estar sempre certo. A arrogância que o faz peitar o Super Homem dizendo “Essa cidade é minha, cai fora”.
No
início vemos Bruce perdido quanto as
suas intenções. Querendo justiça e vingança, mas não sabendo distingui-las. Com
medos de infância. Somente quando encontra Ras,
que começa a se encontrar, com o treinamento. Treina para superar a raiva e
controlar seus medos e mais para frente, se tornou o próprio medo.
Logo
que Bruce retorna para Gotham, mesmo com todo treinamento e
arsenal, ele sabe que precisa de mais alguma coisa (remetendo ao quadrinho Batman Ano 1 de Frank Miller). Ele sabe
que para levar o medo ao coração dos criminosos e inspirar esperança para os
cidadãos de Gotham, era necessário
se tornar um símbolo. Um símbolo é quando se atribui um valor abstrato que vai
além de seu real significado passando assim, a significar algo que vai além do
que ele próprio. A escolha de Bruce
Wayne, um morcego, representava seu medo de infância. “Morcegos me assustam. É hora de meus inimigos compartilharem desse
pavor” – Diz Bruce para Alfred. E ao final do filme, vemos a
construção do símbolo no momento em que se cria o batsinal.
Em
sua sequência vemos as repercussões das ações do Batman. Como as pessoas comuns, que inspiradas pelo Homem Morcego, passam a se fantasiar
dele e agir como vigilantes. Os dois principais casos são: 1º - o promotor
público Harvey Dent, também
conhecido como Duas Caras. Que age
dentro da lei colocando os criminosos na cadeia. Inclusive é criada uma
parceria com Gordon, Batman e Harvey; para que conseguissem as provas necessárias para os
julgamentos. O segundo caso foi com o Coringa
- "Enquanto
analisávamos os quadrinhos, houve uma ideia fascinante que a presença de Batman
em Gotham atrai, de fato, os criminosos a Gotham. Ela atrai os lunáticos.
Quando você está lidando com questões polêmicas, como a 'justiça com as
próprias mãos', você precisa realmente se perguntar: 'aonde isso leva?'. É isso
que deixa a personagem tão obscuro, porque ela expressa um desejo
vingativo." - Nolan, falando sobre a continuação.
O
filme é uma união das HQ Longo dia das
Bruxas de Joeh Loeb e A Piada Mortal
de Alam Moore. A primeira tem a origem do Duas
Caras. No filme temos a união entre Harvey
e Batman para derrubar a máfia. A
cena do dinheiro sendo queimado (nos quadrinhos pelo Batman e Havey, no filme
pelo Coringa) é o momento onde há o
nascimento de um novo tipo de criminoso, mais insano, que cresce a medida que a
máfia cai:
“Você mudou as coisas, para
sempre” – diz Coringa
para Batman“Vocês só pesam em dinheiro. Gotham merece um tipo melhor de criminosos. E eu vou dar isso a ela.” – Diz Coringa para um mafioso.
Na
segunda HQ, Coringa conta sua
origem. No filme, foi transpassado apenas a ideia, em que ele não se lembra de
seu passado e acredita que uma pessoa só pode ser honesta até aonde a sociedade
permite. Tentando assim corromper inocentes (nos quadrinhos tenta corromper Gordon, mas falha. No filme começa com
a própria cidade e depois com Harvey,
e consegue). Harvey Dent com o tempo
vai se tornando um símbolo de justiça e esperança para a cidade.
“Você é o sinal de esperança
que eu nunca consegui ser” – diz Batman
ao Dent.
Coringa leva a
cidade ao caos e no final destrói sua única fonte de esperança. Batman para tentar manter as esperanças
de uma cidade desesperada por uma figura heróica acaba por sacrificar tudo o
que ele mesmo representa e assumindo a culpa pela morte de Harvey e pelos seus crimes.
O
segundo filme trata da alma de Gotham
e das consequências de nossas escolhas. Vemos Bruce refletindo sobre a própria existência do Batman e o que ele representa, e ao final, ficamos sabendo que
aposenta o manto. O que nos leva ao terceiro e último filme: Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge.
Ao longo dos dois primeiros filmes acompanhamos Batman de Nolan construindo e desconstruindo um símbolo, e agora, o
vemos reconstruindo o símbolo, o mito.
O terceiro
filme já começa oito anos após o Cavaleiro
das Trevas. Bruce aposentou o
manto e Dent vira um mártir tendo a
imagem usada para a criação de uma lei, que foi a responsável pelo fim da
máfia. Bruce não aparece em publico
há anos e Gotham vive um período de
relativa paz. Mas apenas relativa, pois vemos que o crime organizado
praticamente se extinguiu, mas a corrupção ainda existe e a diferença entre as
classes mais favorecidas das classes menos favorecidas estão cada vez maior.
Até o surgimento de uma nova ameaça.
A
aposentadoria do manto do morcego está relacionada a uma das grandes HQ do Homem Morcego, Cavaleiro das Trevas de Frank Miller. O que nos leva a outro
ponto de referencia na obra de Frank Miller: o porquê Bruce Wayne ser o Batman.
Desde o início ele se refugiou dentro de sua mansão criando historias de “unhas
de 20cm”, “rosto cheio de cicatrizes”. Quando surge uma ladra em seus
aposentos, e ele está de volta a batcaverna.
Como o próprio Alfred se refere, o
seu patrão estava apenas esperando as coisas piorarem novamente. Portanto a
resposta é: Bruce é o Batman porque ele quer. A morte dos
pais é o primeiro empurrão, fazer justiça é apenas ao que Bruce direciona o Batman.
O
filme também trata a seguinte questão: vale a pena viver uma mentira? Logo no
início vemos Gordon com crise de
consciência por condenar o homem que salvou sua família e toda a cidade para
que endeusassem aquele que tentou assassinar seu filho. Quando Bane
finalmente aparece, a paz está por um fio e Batman é forçado a voltar em um retorno espetacular, com citações
diretas dos quadrinhos “garoto, se
prepare para ver um show essa noite, filho”.
O
filme volta a tratar da questão do símbolo. A ausência do Batman foi sentida não só por Gordon,
como por todos os cidadãos da cidade. Notamos isso logo no começo com os
policiais que não se esforçam para pega-lo, e também pela nova personagem: John Blake, que revela ser o Robin. O policial acaba sendo todos os Robins, ao mesmo tempo em que nenhum
deles.
Explicando:
“John Blake é policial assim como Dick Grayson que foi o primeiro Robin. Possui pai que morreu nas mãos
de agiota e não conheceu a mãe, assim como o segundo Robin, Jason Todd. Ele descobre
a identidade do Batman sozinho assim
como o terceiro, Tim Drake. O quarto
é o Daimian Wayne (sim, o filho de Bruce), que possui o apelido de "esquentadinho". É ele que mostra qual foi a importância do símbolo que Bruce construiu com Batman. Papel que Robin sempre teve que empenhar nas HQ: a de equilibrar o Batman, e por vez, substituí-lo.”
Bane, é um
vilão que nas HQ foi criado por uma necessidade mercadológica. A de recriar o
que foi feito com o Super Homem.
Matar (no caso foi só quebrar) o Morcego.
E por isso nunca foi devidamente utilizado. Mas aqui ele ganha uma nova
roupagem, sem perder sua essência. Ele está grande, mete medo, é frio e
calculista. E sim, ele quebra a coluna do Batman,
assim como foi nos quadrinhos. Possui uma união do que ocorre em Cavaleiro das Trevas de Frank Miller e a
saga A Queda do Morcego. Na saga, Bane leva o Batman até seu limite para depois quebrá-lo. Na obra de Frank
Miller, Bruce já está velho e por
isso perde o primeiro confronto contra o Líder
Mutante. No filme vemos que alguém que dedicou a vida para o combate contra
o crime sem muito apoio, não consegue ter uma vida sem sequelas. Bruce não esta em seu melhor estado
desde o início do filme, além de ter relaxado por está oito anos parado. E
devido a isso ele não consegue lutar em pé de igualdade contra Bane. O vilão também não deixa de “quebrar
o espírito do Batman”. Só que aqui
ele o coloca em uma prisão para que assista a sua cidade cair.
O
filme Cavaleiro das Trevas - 2008,
não possui uma ligação direta com Batman
Begins. Funcionam como filmes independentes. Já Cavaleiro das Trevas Ressurge, remete diretamente aos dois filmes
anteriores sendo assim, melhor assisti-los em sequência. Há o retorno da imagem
de Ras All Ghul. Falo a imagem,
porque ele morre em Batman Begins. No
entanto, foi o responsável pelo treinamento de Bane que junto com a sua filha Talia,
aparecem para terminar sua obra. Referência essa as HQ “O Legado do Demônio”, que mostra esta aliança. E referência a saga
“Terra de ninguém”, em que Gotham após um terremoto fica largada
pelo governo e Bruce tem que juntar
forças para reconstruir sua cidade. No filme, o vilão implanta uma arma
atômica na cidade forçando o governo a recuar.
Durante
a trilogia, podemos notar que todos os vilões são reflexos do próprio Batman. Ras All Ghul é um vilão idealista que tem o mesmo objetivo do
herói, com a diferença de que é mais radical, chegando ao ponto de matar. Espantalho é um vilão que usa do medo
como arma, assim como o Batman. A
diferença é que o herói superou e se tornou o próprio medo, enquanto o vilão é
covarde e usa de um gás para provocar medo e se sentir em posição de
superioridade. Duas Caras é, segundo
o próprio Bruce disse:
“Aquilo
que eu deveria ter me tornado para salvar Gotham, um herói de face que não usa
máscara.”
No
entanto também representa o que Bruce
poderia ter se tornado caso não aguentasse a pressão e sucumbisse. Bane é o Batman de outro mundo. Tem o mesmo treinamento, é racional,
estrategista, usa dos mesmos meios e pode fazer tudo o que o Morcego faz. Porém estão em lados
opostos e isso é mostrado quando Ras pede
para Bruce matar e ele não o faz. Já o Bane
faria sem sentir nenhum remorso. Já o Coringa
é o perfeito antagonista, o reflexo no espelho. E como todo reflexo é a imagem
invertida, ele não tem treinamento, é irracional e imprevisível; totalmente o
oposto do Batman. E principalmente é
a inversão do próprio símbolo. Símbolo que podemos notar seu poder na cena em
que Batman cria o desenho em fogo em
um prédio, fazendo com que todos os policiais irem as ruas lutar pela sua
cidade.
Ao
contrário dos quadrinhos que a personagem é eterna, aqui ela teve um fim. O que
talvez seja um presente de Nolan para o Bruce.
Ninguém mais do que ele merece ser feliz. O mito do homem
que juntou todas as forças para construir um símbolo de esperança e justiça,
foi mais que devidamente representado.
Escrito por Felipe Utsch
Nenhum comentário:
Postar um comentário